Quando ainda obscuro e desconhecido
Nosso Senhor andava na terra
e muitos discípulos o seguiam
que raras vezes o compreendiam,
amava doutrinar as massas
nas ruas amplas e nas praças,
pois à face dos céus a gente
fala melhor e mais livremente
Ali dos seus divinos lábios
fluíam os ensinamentos mais sábios;
pela parábola e pelo exemplo
faziam de cada mercado um templo.
Certa vez que, em paz e santidade,
com os seus chegava a uma cidade,
viu qualquer coisa luzir na estrada;
era um ferradura quebrada.
Disse a S.Pedro com brandura:
"Pedro, apanha essa ferradura!"
Porém S. Pedro no momento
Tinha ocupado o pensamento;
absorto em êxtase profundo,
sonhava-se o dominador do mundo,
rei, papa, ou tal que se pareça,
Aquilo enchia-lhe a cabeça!
E havia de dobrar a espinha
por uma coisa tão mesquinha!
Se fosse um cetro, uma coroa,
mas uma ferradura à-toa!...
E foi seguindo distraído ,
como se não tivesse ouvido.
Curvou-se Cristo com doçura
celeste, angélica,humilde;
ergueu do chão a ferradura.
E quando entraram na cidade
vendeu-a em casa de um ferreiro.
Comprou cerejas com o dinheiro,
guardando-as à sua maneira
na manga, à falta de algibeira.
Dali saíram por outra porta.
Fora a campanha estava morta;
nem flor nem a sombra; ao longe, ao perto,
era o silêncio, era o deserto,
era a desolação; ardia,
torrava, o sol do meio dia.
Que não valia em tal secura
um simples gole de água pura!
Nosso Senhor caminha à frente.
Deixa cair discretamente .
Furtivamente, uma cereja
que Pedro apanha, salvo seja,
com cabriolas de maluco.
A frutinha era mesmo o suco.
Outra cereja no caminho
atira o mestre de mansinho,
que Pedro apanha vorazmente.
E assim por diante, não uma vez somente
fê-lo o Senhor dobrar a espinha
mas tantas vezes quantas cerejas tinha.
Durou a cena um bom pedaço.
Por fim, disse o Senhor com ar prazenteiro:
Pedro se fosses mais ligeiro
não tinhas tido este cansaço.
Quem cedo e a tempo ao pouco não se obriga,
tarde por muito menos se afadiga.
Johann Wolfgang Von Goethe
tradução de Alberto Ramos
tela de William Holman Hunt
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