10/08/2010

IN ARTICULO MORTIS





















Que nos importa que a lua morta tenha ou não tenha traços
Do antigo mundo que viveu rindo?
Que seja cinza o que era calor ao calor dos nossos abraços?
De nada nos serve...Fechemos os olhos, cruzemos os braços.
E desesperemos, sorrindo.

A vida é pouco e a dor é muito. Ao luar e à noite esquecemos
O nosso ser de sob o sol;
E já que a corrente nos leva silente, abandonemos os remos;
E visto o falar a acção nos lembrar, calemo-nos, escutemos:
Talvez cante o rouxinol.

E daí quem sabe na noite o que cabe? Da solidão infinda
Talvez raie um sol e um dia,
E à barca que erra...talvez uma terra lhe espere obscura a vinda.
Talvez não seja o rouxinol que cante...Esperemos ainda,
E talvez seja a cotovia.

Fernando Pessoa
In Poesia 1902/1917
foto by  sekundo

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