As rosas acabam de morrer. Os abutres não nos largam,
as pombas já sujaram os beirais, os mosquitos aspiram a
seiva
pela última vez.Ainda há pouco feriste o dedo numa
rosa
e agora os espinhos parecem de borracha. Queres água?
Está fresca como quando éramos miúdos
e a devorávamos com sofreguidão no perfume do cântaro
de barro. Inodora. Na água do cântaro podem-se viver
mais anos. As horas estão contadas, mas os minutos
são por nossa conta.Perdoas-me? É assim que pomos fim
às guerras, os pequenos tratados de paz são um artifício
legal, mas a verdadeira fé é pôr as rosas na água
do cântaro e sonhar com a força dos espinhos.
As palavras bombardeiam a noite que desce. Ouves
como uiva a noite? Sabe que estamos indefesos
até ao mais pequeno segundo, que o pão seca
com as rosas,
que gostaríamos de prolongar as incertezas, as coisas
inúteis como o medo e o amor. Diz que me perdoas.
Há pequenos seres na água onde as rosas morreram:
também eles têm uma vida à frente pelo ralo da banca.
Rosa Alice Branco
In Soletrar o dia
tela de Jill Barton
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