09/03/2011

A MORADIA




















Se a chuva mora no céu
e o arrependimento na alma
terás que habitar em mim
como a chama na fogueira.

Mora o orvalho no capim
e o sangue mora nas veias.
Terás que habitar em mim
como o dia na paisagem.

Se a valsa mora na música
e o amor em toda a parte
se os galos moram na aurora
terás que habitar em mim.

Mora a viagem nos navios
que vão por águas sem fim.
Reside o tempo nas horas
e as ilhas moram nos mapas.

Tu que és clara como as águas
ao passarem sob as pontes
e voas como instantes
nos encontros amorosos

tu que passas como os autos
pelos asfaltos molhados
e deslizas como as folhas
fulminadas pelo outono

e atravessas  o meu peito
como o punhal da Beleza
e te hospedas no vazio
como os anestesiados

terás que habitar em mim
na moradia sem portas
onde eu me consumo e gasto
dando calor, vida e forma

a estas palavras mortas
que são as telhas e os caibros
- terás que habitar em mim -
- de tua casa, Poesia!

Lêdo Ivo
In Antologia Poética
foto de riesling_76

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