18/03/2013

APOCALIPSE



Porque a lua é branca e a noite
é simples anúncio da aurora;
e porque o mar é o mar apenas
e a fonte não canta nem chora;
 
e porque o sal se decompõe
e são de água e carvão as rosas,
e a luz é simples vibração
que exercita células nervosas;
 
e porque o som fere os ouvidos
e o vento canta na harpa eólia;
e porque a terra gera os áspides
entre a papoula e magnólia;
 
e porque o trem já vai partir
e o corvo nos diz never more;
e porque devemos sorrir
antes que o crepúsculo descore;
 
e porque ontem já não existe
e o que há de vir não mais virá,
e porque estamos num balé
sobre o estopim da Bomba H:
 
não marcharemos contra o muro
das lamentações, prantear
a frustração de tudo o que
sonhamos ousar, sem ousar. 
 
 Títeres mudados em gnomos,
enfrentemos o Apocalipse
como pilotos da tormenta
entre o terremoto e o eclipse.
 
Vamos dançar sobre o convés
enquanto o barco não aderna;
vamos saudar o sol que morre
e a noite que vem fria e eterna.
 
Vamos zombar deste universo
em nossos olhos refletidos;
quando os fecharmos, será como
se nunca houvesse existido.
 
Vamos crepitar entre as chamas
nosso último arrebatamento;
porque amanhã seremos só
um pouco de cinza no vento.
 
Domingos Carvalho da Silva
In Múltipla Escolha
tela willem haenraets
   

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