A quem revelarei que a inefável manhã
reacendeu-se nesse breve instante
nos passos do vulto esguio a subir e descer ladeiras
assim que a noite se escoou
por trás do horizonte tortuoso
no recorte das montanhas das Minas Gerais?
A quem anunciarei que as andorinhas
adivinharam a manhã enevoada
guardada nas rendas das beiras e nas eiras
no voo rasante sobre a relva úmida
lagrimada de gotas dos olhos diamantes
ou entre o soar dos velhos bronzes
que ferem o silêncio de Ouro Preto?
A quem confessarei enternecida
senão à pequerna ave toutinegra
pousada no alpendre da antiga Pousada
que seu gorjeio despertará Marílias e memórias
de um tempo de calúnias e verdades
sonhos e vigílias, sangues, suores e sons
das vozes d´Africa, Brasil e Portugal?
A quem confidenciarei tão comovida
que os bem-te-vis aqui estão há séculos
anunciando a perpetuidade
do tempo guardado sob as heras
dos muros e azulejos da antiga vivenda
das seis sinhás, seus sonhos, seus saraus:
"Procura ser feliz na eternidade
que o mundo são brevíssimos instantes"?
A quem direi, enfim, que Vila Rica
dorme ao som mudo de Stella ao piano
na água fresca contida nas morimgas
nos segredos de Emília guardados no baú
a lacre e selo
na voz silente do vento nas vidraças
das janelas barrocas abertas aos meus regressos?
A quem direi, a quem direi, a quem?
Ouro Preto, setembro,92.
Maria Lucia Nascimento Capozzi
In Álbum de Retratos
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