27/12/2008


Foto de ***Bud***

QUANDO
A Gilberto Mendonça Teles

Quando sorrimos para a própria solidão como quem recolhe
[em certos álbuns seu olhar já perdido,
é uma noite que pende, não a noite, é uma noite grávida
[de suplícios,
é uma noite cega como os cegos que vão esmigalhar em esquinas
seu próprio e mutilado assombro.

Quando cantamos nossa própria dor, mesmo que ela não exista,
(ironicamente supomos que não existe, mesmo que clame em
nós indisfarçavelmente)
há uma estranha música crescendo,
se dispersando em nós como o verbo dos loucos.
Um grande ofego de paralisia.

Dissolve-se o corpo, dissolve-se a alma: pouco importa.
Mas eu quero gritar que a vida cega nos ilumina
com seus mal entrevistos paraísos,
e a certeza de que o inferno freme em cada gesto de que emana
outro inferno
só nosso,
jamais reconhecido pelos que conosco estão à mesma mesa
e dizem as mesmas palavras que a nada mais conduzem
senão ao frio,
ao cansaço
de as repetir, repetir incessantemente,
e, se possível, chegar à margem indevassável
de que nunca dirão as bocas dissipadas,
ou dirão, ou dirão sem decifrarmos nunca.

Alphonsus de Guimaraens Filho
In Discurso no Deserto

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