13/05/2009


Foto de fabiogrison

O SACRIFÍCIO DO VINHO

Contra o crepúsculo
O vinho assoma, exulta, sobreleva
Muda o cristal da tarde em rubra pompa
Ganha som, ganha sangue, ganha seios
Contra o crepúsculo o vinho
Mestrua a tarde.

Ah, eu quero beber do vinho em grandes haustos
Eu quero os longos dedos líquidos
Sobre meus olhos, eu quero
A úmida língua...

O céu da minha boca
É uma cúpula imensa para a acústica
Do vinho, e seu eco de púrpura...
O cantochão do vinho
Cresce vermelho, entre muralhas súbitas
Carregado de incenso e paciência.
As sinetas litúrgicas
Erguem a taça ardente contra a tarde
E o vinho, transubstanciado, bate asas
Voa para o poente
O vinho...

Uma coisa é o vinho branco
O primeiro vinho, linfa da aurora impúbere
Sobre a morte dos peixes.
Mas contra a noite ei-lo que se levanta
Varado pelas setas do poente
Transverberado, o vinho...

E o seu sangue se espalha pelas ruas
Inunda as casas, pinta os muros, fere
As serpentes do tédio; dentro
Da noite o vinho
Luta como um laocoonte
O vinho...

Ah, eu quero beijar a boca moribunda
Fechar os olhos pânicos
Beber a áspera morte
Do vinho...

Paris,1957

Vinícius de Moraes
In Jardim Noturno

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