30/11/2009


Foto de Henri Bonell no Flickr

JOSIE BLISS

Cor azul de exterminadas fotografias,
cor azul com pétalas e passeios ao mar,
nome definitivo que cai nas semanas
com um golpe de aço que as mata.

Que vestido, que primavera cruza,
que mão sem cessar busca seios, cabeças?
O evidente fumo do tempo cai em vão,
em vão as estações,
as despedidas onde cai o fumo,
os precipitados acontecimentos que esperam com espada:
de repente há algo,
como um confuso ataque de peles-vermelhas,
o horizonte do sangue tremula, há algo,
algo sem dúvida agita as roseiras.

Cor azul de pálpebras que a noite lambeu,
estrelas de cristal desengonçado, fragmentos
de pele e trepadeiras soluçantes,
cor que o rio cava batendo-se na areia,
azul que preparou as grandes gotas.

Talvez continuo existindo numa rua que a aragem faz chorar
com um determinado lamento lúgubre de tal maneira
que todas as mulheres se vestem de surdo azul:
eu existo nesse dia repartido,
existo aí como uma pedra pisada por um boi,
como testemunha sem dúvida esquecida.

Cor azul de asa de pássaro de esquecimento,
o mar completamente empapou as plumas,
seu ácido degradado, sua onda de peso pálido
persegue as coisas amontoadas nos rincões da alma,
e em vão a fumaça golpeia as portas.

Aí estão, aí estão
os beijos arratados pelo pó junto a um triste navio,
aí estão os sorrisos desaparecidos,as roupas que a mão
sacode chamando a aurora:
parece que a boca da morte não quer morder rostos,
dedos,palavras,olhos
aí estão outra vez como grandes peixes que completam o céu
com seu azul material vagamente invencível.

Pablo Neruda
In Residência na Terra II

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