23/01/2010
by Tanja Vetter
NÃO
Não, não há iludir-nos, pois que unido
ao nosso espanto e ao nosso exausto passo
há muito mais que dor e que cansaço
de um ser fendido.
Há uma voz que canta ou que blasfema,
há uma flor que se abre se destrói,
há uma paz que nos aflige e dói,
e alguém que diga até: "Isto é um poema."
Mesmo sabendo que não há poemas,
que a poesia ruiu como edifício
e dela ficou vago e atroz resquício
de murchos diademas.
Mesmo sabendo que morremos diante
do sopro iluminante das palavras,
nós garimpeiros de perdidas lavras,
a estremecer à anelante
voz que nos quer segredar alguma doce
claridade e em si mesma consumida
simula acaso que vivemos vida,
que é vida o que talvez nem morte fosse.
Alphonsus de Guimaraens Filho
In Discurso no Deserto
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