20/03/2010


1872 by Dante Gabriel Rossetti

POEMA DE AMOR

que minha passagem pela tua vida
não seja leve
ou indelével.

é preciso que seja funda
e as marcas
como cicatrizes de guerra.

que não seja um amor de circunstância
ou apenas lembranças agradáveis
de alguns momentos de pureza.

quero te dar um destino irrecuperável:
não a embriaguez momentânea
mas o vício permanente.

que sejas, depois de mim, outra mulher
um ser marcado
e massacrado
por um amor contínuo
e que seja em ti bênção e uma angústia.

tentacular,
serei não apenas o dia de sol
mas também as noites de inverno
e as luzes sufocantes de verão.

passarei e talvez me esqueças
mas te deixarei pesadelos e alucinações
e, passada a noite, uma aurora de plenitude.

lembrarás as palavras de ternura
mas também os estertores e as asperezas
e esta minha dureza semilíquida
de cactos e flor mineral.

e te farei ter saudade e angústia de tudo
que eu disse e não disse,
que fiz e não tive coragem de fazer.

serás reconhecida como um mapa
de uma terra distante
que apenas um explorador de fato
circunscreveu e disse
os acidentes e os sonhos líquidos.

e sobretudo te sentirás incorporada
a um mistério que não saberás explicar,
um desejo brutal e a ternura estelar
compostos na cosmogonia
de ser o que pensavas e o que temias
dentro da absurda realidade
de amar e ser amada
sem qualquer razão e sem qualquer sentido
que não sejam estes
da permanência na imortalidade.

Álvaro Pacheco
In A Balada & Outros Poemas

Um comentário:

Sonia Schmorantz disse...

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade

Um lindo domingo e uma semana de paz e sucesso em tudo que fizer.
Um abraço

Sônia