09/05/2010


foto by Turinboy

EXERCÍCIO COM ROSA,AMOR,MÚSICA E MORTE

Minha filha quis oferecer-me uma rosa.
Mas esqueceu-se da rosa no carro.
Fazia muito calor.O carro estava quente.
Estava muito quente, carro, para uma rosa.

Essa rosa, além de cor e perfume, trazia amor.
O amor às vezes pode estar numa rosa.
o amor é breve e incerto como a vida da rosa.
Se a rosa morresse, no carro, certamente com ela morria o amor.

Tomei a rosa nas mãos, e estava quase, quase,seca.
Dei-lhe água, dei-lhe música:" Ouve, dizia-lhe, ouve, ó múltipla
criatura de tantos lábios, tantos ouvidos, tantas pálpebras,
ouve, decantada flor, o que se pode ouvir de mais belo."

E a rosa seca docemente mantinha seu fim de vida:
entre água e ar passavam flautas e harpas e veludosos pianos.
Entre água e ar passavam as horas e o meu olhar entristecido.
O dia inteiro esteve a rosa assim, à beira da música,à beira da morte.

Não se sabe quando morreu:talvez na meia-noite escura.
Morreu sem desabar suas cascatas de pétalas:
morreu sem dispersão: roxa,secreta, toda em si mesma equilibrada,
com folhas, espinhos, pétalas,perfume,amor,música e morte.

Cecília Meireles
In Palavras e Pétalas

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