Ao amornado vento da montanha balança-se a figueira
de novo contorcendo como cobras os galhos conturbados;
sobre o escalvado cume da lua-cheia sobe para um festim
de solidão, a povoar de sombras o espaço; a luz da lua,
entre os barcos de nuvens que deslizam,distraída conversa
consigo mesma, enfeitiçando a noite sobre o vale do lago
e transformando-a em silente imagem da alma e da poesia
para no fundo do meu coração a música acordar.
Num incontido assomo de saudade minha alma então,
[eleva-se,
luta contra o destino, pressentindo que lhe falta uma coisa,
brinca com o sonho da felicidade, remoendo cantigas:
quisera começar tudo de novo, de novo o já longínquo
ardor da juventude restaurar na frigidez do agora,
quisera andar à toa e cortejar inclusive uma estrela,
tenutizar o repique dos sinos de vagantes desejos...
Fecho a janela com hesitação e acendo o lampião,
vejo em branco na cama os travesseiros esperando
[por mim,
em branco a lua e o mundo e a flutuante poesia das
[nuvens,
ao amornado vento da montanha, sobre o jardim
[prateado :
sinto-me pouco a pouco reintegrado às coisas de costume
e, até pegar no sono, ouço a canção da minha juventude.
Hermann Hesse
In Andares
Foto da Galeria de Ilikethenight no Flickr
Nenhum comentário:
Postar um comentário