28/07/2010

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Fui menos que um homem,
não tive os gestos necessários
de uma mulher no parto,
a elegância de permitir a vida
sem exigir nada em troca.

Eu me levei muito a sério
e não me conduzi de volta.

Desde criança, desejei
legar uma marca e mordia
os colegas na creche.
Nenhum castigo amenizava
a gula. Os pais não repararam
que a ânsia de mastigar
era ambição adulta.

Chamei a atenção
para a pessoa errada,
demorei os olhos onde não cresciam olhos.
Careci de uma amizade fiel,
uma amizade de infância,
minha solidão de nascença
não se abriu com a convivência.

Sair de mim me alegraria,
tomar ar, encher-me da esperança
de que minha vida não é comigo,
que ela não me ofendeu e entendi errado,
como um sedado que não
completa seus pensamentos,
soma insuficiências e segue adiante.

Sair de mim adiantaria,
colher amoras  de árvores emprestadas
e assobiar sem mexer a boca.

Desprezei os conselhos da avó.
Não lavei as dores
e infeccionaram.

Deixo-me quieto na lista telefônica,
um vizinho que não incomoda.
Meu interesse é pelo sol das coisas ilegíveis,
um sol incompreensível,
que banha a matéria e não se insulta
em distribuir, de modo igual,
o facho às escadarias e aos pássaros
pequenos.
Será que ao mastigar uma folha de junco
não estarei mascando o azul do céu
daquela hora?

O tempo me devora enquanto respiro
e não há vantagem no livre-arbítrio
se estou terrivelmente preso
à pronúncia de um país.

Há quem esbarre em Deus,
desprevenido, no mais suave vento.
Há quem procure Deus,
obcecado, nas terríveis tempestades.
Não é o meu caso, pois amor
não é indigência.

Carpinejar
In Como no céu
tela by Vicky Montesinos

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