16/10/2010

A INVENÇÃO DO SOPRO























meu amor,
esse rumor talvez seja um fogo a querer voar;
de costas para a escuridão, anoitecendo, a
partida,
só me resta agora um horizonte para dar,
e é tudo

a feroz sombra do vento transparente,
esculpida em água e mordendo a solidão,
diz-me que no coração do dia tudo canta ainda
e um só grito bastaria
para coroar o sol húmido da primeira chuva
inefável
onde a beleza se demora vagarosamente,
como se tivesse dado a beber o sublime até ao
fim do alvorecer

digo amo-te
e tudo permanece enlaçado à pele do chão,
sangrando nos pulsos do silêncio

sem cessar olhando os fios das lágrimas,
espuma branca do adeus,
procuro mas não sei de que lado afluem
as inumeráveis harmonias do mundo
um dia confidenciar-me-ás o trilho de volta da
morte

e eu de mão alada caminhando sobre as águas,
preso no intervalo da colina,
de tanto me doer a alegria do que resta,
segredo-te apenas um derradeiro abismo
e ensino-te como se dá a invenção do sopro

Ricardo Gil Soeiro
In Caligraphia do Espanto
tela de Daniel Gerhartz

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