23/01/2011

CALIENTE


A orquestra atacou em ritmo de tango.
Ela abriu a boca num sabor morango
e rodopiou.
Ele a enlaçou satisfeito,
estufou o peito,
tentou o passo.
O bigodinho engomado,
cheirando a brilhantina o cabelo empastado,
uma decadência, um descompasso.
(Às vezes solene, às vezes safado.)
Ela equilibrou enquando pôde
a rosa no decote
até que o som entrou em foxtrote
e ela se descompôs:
ressurgiu o brilho sob o pó-de-arroz
e as rodas de carmim a colorir a face
desbotaram-se até que nada mais restasse.
Antes que a música mudasse novamente,
ele insinuou-se num sorriso convincente,
ela cedeu.
Foram se beijar num canto escuro,
com a lua enternecida por detrás do muro
e sobre a rosa amanhecida o dia apareceu.

Flora Figueiredo
In Florescência

Um comentário:

Dalva Nascimento disse...

Excelente escolha desta tela para ornamentar a poesia de Flora.

Bjs.