27/02/2011

ISRAFEL























E o anjo Israfel, em quem as fibras do
coração formam um alaúde e que tem a
mais doce voz de todas as criaturas de
Deus."
Alcorão


Há no céu um espírito "em que as fibras
do coração formam um alaúde".
Canção nenhuma tem a mágica virtude
do teu canto, Israfel! Quando a voz vibras,
os astros que andam no fimamento
(contam as lendas) em desatinos
cessam seus hinos,
emudecidos de encantamento.

Vacilante, flutua
no seu zênite a lua;
mas, se te ouve a canção,
enamorada, enrubescida de paixão,
a luz purpúrea no céu detém,
e as sete Plêiades, ante essa voz,
cessam também
a carreira veloz.

Diz o coro estrelado, a multidão
de astros que o ouvir-te encanta,
que deves, Israfel, a inspiração
ao alaúde de teu coração;
ele é que canta
quando, trêmulas, vibras
as suas vivas, singulares fibras.

Mas os céus, Israfel, percorreste
onde cumpre um dever quem fundamente pensa
e onde o Amor é um deus sem par;
onde o olhar das huris se reveste
dessa beleza imensa
que só na estrela vamos adorar.

Tu não erras, portanto,
Israfel, se te esquivas
a um desapaixonado canto!
Sejam-te dados todos os louvores!
És o melhor, és o mais sábio dos cantores!
Feliz eternamente vivas!

Os êxtases do céu perfeitamente
se harmonizam com teu ritmo ardente;
teu pesar, a ventura, e ódio, e amor,
de tua lira se casam ao fervor.
Bem deve cada estrela estar silente!

Sim, teu é o Céu, mas esta Terra
é um mundo de doçuras e de dores;
nossas flores nada mais são que flores,
e o que de sombra encerra
tua perfeita ventura
é, para nós, a luz do sol mais pura.

Se eu, porém, Israfel, morasse onde viveste,
se vivesses onde eu
vivo, magicamente assim não poderias
cantar terrestres melodias;
e um hino mais audaz, talvez, do que este,
de minha lira iria arrojar-se no céu.

Edgar Allan Poe
In Poesia e Prosa
tradução de Oscar Mendes e
Milton Amado
foto de a Adriano Soldatelli no Flickr

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