20/03/2011

O POETA




















À noite, eu muitas vezes não consigo dormir:
a vida dói.
Fico então a brincar com as palavras,
com as boas e as más,
com as gordas e as magras,
e vou nadando pelo espelho do mar delas.
Longínquas ilhas surgem com azuis palmeiras,
da praia um menino cata conchinhas de várias cores,
banha-se em verde cristal uma mulher cor de neve.
Como no mar arrepiam-se as cores,
em minha alma flutuam sonhos-versos:
gotejam de prazer, enrijecem de luto,
- bailam, correm, dispersam-se perdidos,
enrolam-se em palavras conformados com essa vestimenta,
interminavelmente antiquíssimos e contudo cheios de inconsistência.
A maioria das pessoas não entende:
dão por loucura os sonhos e me dão por perdido
- e assim me veem mercadores, jornalistas,professores.
Crianças e mulheres muitas, de outro lado,
sabem de tudo e me amam como eu a elas,
pois também elas estão vendo o caos dos aspectos do mundo
e a elas também a deusa emprestou seu véu.

Hermann Hesse
In Andares
tela de Vincent Van Gogh

Nenhum comentário: