21/04/2011

ROMANCE XI OU DO PUNHAL E DA FLOR


















Rezando estava a donzela,
rezando diante do altar.
E como a viam mirada
pelo Ouvidor Bacelar!
Foi pela Semana Santa.
E era sagrado o lugar.

Muito se esquecem os homens,
quando se encantam de amor.
Mirava em sonho a donzela
o enamorado Ouvidor.
E em linguagem de amoroso
arremessou-lhe uma flor.

Caiu-lhe a rosa no colo.
Girou malícia pelo ar.
Vem, raivoso, Felisberto,
seu parente protestar.
E era na Semana Santa.
E estavam diante do altar.

Mui formosa era a donzela.
E mui formosa era a flor.
Mas sempre vai desventura
onde formosura for.
Vede que punhal rebrilha
na mão do contratador

Sobe pela rua a tropa
que já se mandou chamar.
E era  à saída da igreja,
depois do ofício acabar.
Vede a mão que há pouco esteve
contrita, diante do altar!

Num botão revala o ferro:
e assim se salva o Ouvidor.
Todo o Tejuco murmura
- uns por ódio, uns por amor.
Subir um punhal nos ares,
por ter descido uma flor!

Cecília Meireles
In Romanceiro da Inconfidência
foto por Orange Leaf   

Nenhum comentário: