24/03/2012

AS ARMADILHAS


No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha

Tua janela, por exemplo,
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
(há quatro séculos quase, Tomás Bequimão 
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)

No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida pouca
que a vida né louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para  acabar com tudo, já
que a vida é louca?

Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se estranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga.

A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.

Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula de Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e aguentarás até o fim.

O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que podiam sozinhos
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje

A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.

Ferreira Gullar
In Novos Poemas
tela Серебрякова, Зинаида Евгеньевна (Россия, 1884 – 1967)

Nenhum comentário: