29/04/2012

NUVENS DO ENTARDECER



O que um poeta imagina e burila,
e anota num livrinho, em verso e rima,
a alguns pode sem nexo parecer;
mas Deus entende e acata com prazer.

Também  ele, que cuida do universo,
de vez em vez é poeta também:
quando repicam os sinos da tarde,
como em sonho, toma nas mãos o ar
e, para a festa do final do dia,
faz lindas nuvens de ouro  tênues, muitas,
a debruar o perfil das montanhas
- espuma carmesim na pompa do crepúsculo.
Uma e outra, que lhe saem melhores,
por algum tempo ele conduz e guarda,
a fim de que, feitas de quase nada,
pairem no céu em contente sorrir.
A que parece um vão jogo de rima
logo tem algo de magia e imã
a atrair a alma humana
em nostalgia e oração a Deus.
Então a rir o Criador desperta
do breve sonho, a brincadeira esfria,
e da fresca distância desabrocha
plena de paz a noite.
Assim é que da pura mão de Deus,
mesmo de brincadeira, toda imagem
brota perfeita, formosa e feliz
como poeta  algum imaginou jamais.
Possa o teu canto terrenal valer
como um acorde musical de sinos,
e que das mãos de Deus, cheias de luz,
brotem nuvens lá em cima.

Hermann Hesse
In Andares 

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