23/07/2012

NOITE DE ANGÚSTIA



A medo fala o relógio com a teia de aranha na parede,
com força o vento bate na porta da loja,
queimadas até em baixo e escorridas de cera
então minhas bruxuleantes velas,
vinho algum mais no copo,
em todos os cantos sombras
a estender para mim os dedos longos.
Como nos tempos da infância,
respiro a custo e entrecerro meus olhos,
o medo prende-me agachado na cadeira;
mas já não vem mãe nenhuma,
nenhuma criada ralhona e boa,
quebrar gostosamente o encantamento e iluminar-me
                                                      com novo conforto. 
Demoro-me agachado em meio às trevas,
escuto o vento nas telhas e junto aos muros a morte
a fiar com enregelados dedos,
sob o tapete ouço o ranger da areia:
quisera vê-la e pegá-la, arregalo  os olhos,
meu olhar cai no vazio e à distância
escuto o lento assobio dos seus lábios zombeteiros.
Vou tateando em direção à cama: dormir, que bom,
                                                                      dormir! 
Mas o sono se fez um pássaro assustado,
difícil de pegar e de reter, tão fácil de esmagar,
e se afasta a piar, com amarga ironia,
ruflando as asas para o vento o carregar.

Hermann Hesse
In Andares
tela Northern Harrier Hawk

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