18/08/2012

SEI QUE ESTOU SÓ



Sei que estou só, não há luas nem serenatas
 e os olhos da tarde estão secos.


 Vejo somente meus dedos desenhando aves
 malditas na água.

Rasgo as folhas da árvore mística e sonolenta
e fabrico o navio infantil mais veloz do mundo. Sigo sua trajetória
rumo ao desconhecido. Também sou navio neste momento de
espumas quentes. Gosto dele porque tem uma lagartixa tranquila
 como passageira sem segredos. Gosto porque é somente navio
 sem ilusões e esperanças, soberano à margem do sol que se aproxima
 da  morte.

Cresce o crepúsculo e não diviso mais a figura
tragicômica de meu herói verde, eterno navio.

Minha casa é longa e se assemelha a um quarto
 cor de bronze.

Moro com alguém que possui olhos de gato
 e ama a noite. Seus cabelos de feiticeira percorrem o universo
em chagas de seu corpo de subterrâneos e cansaços. Odeio seus
 mascotes: escorpião de porcelana e chocalho de zinco.

Minha casa é longa e se assemelha a um quarto cor de
bronze.

Preciso voltar e meus pés murchos procuram o caminho.
Conhecem todos os arbustos e todas as passagens.

Péricles Prade
(A lâmina, Literatura Contemporânea, 1963)

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