27/07/2013

ÁGUA SEXUAL




Rolando em grandes gotas solitárias,
em gotas como dentes,
em espessas gotas de marmelada e sangue,
cai a água,
como um dilacerante rio de vidro,
uma espada em gotas,
cai mordendo,
golpeando o eixo da simetria, agarrando-se às costuras da alma
rompendo coisas abandonadas, empapando  o escuro.
 
É somente um sopro, mas úmido que o pranto,
um líquido, um suor, um azeite sem nome,
um movimento  agudo,
fazendo-se, espessando-se,
cai a água,
em grandes gotas lentas
para o seu mar, para o seu seco oceano,
para sua onda sem água.
 
Vejo o verão extenso, e um estertor saindo do celeiro,
adegas, cigarras,
quartos, meninas
dormindo com as mãos no coração,
sonhando com bandidos, com incêndios,
vejo navios,
 
Vejo árvores de medula
eriçadas  como gatos raivosos,
vejo sangue, punhais e meias de mulher,
e pelos de homem,
vejo camas, vejo corredores onde grita uma viagem,
vejo cobertores e órgãos e hotéis.  
 
Vejo os sonhos sigilosos ,
admito os derradeiros dias,
e também as origens, e também as recordações,
como pálpebra atrozmente levantada à força
estou olhando.
 
E então há este som:
um ruído rúbeo de ossos,
um grudar-se de carne,
e pernas amarelas como espigas se juntando.
Entre os disparos dos beijos escuto,
escuto, sacudido entre respirações e soluços .
 
Estou olhando, ouvindo,
com a metade da alma no mar e a metade da alma na terra,
e com as duas metades da alma olho o mundo.
 
E ainda que feche os olhos e me cubra o coração inteiramente,
vejo cair uma água surda,
em grandes gotas surdas.
É como um furacão de gelatina,
como a cachoeira de espermas e medusas.
Vejo correr um arco-íris turvo.
Vejo passar as suas águas através  dos ossos.
 
Pablo Neruda
In Residência da Terra II
tela  John Henry Twachtman 

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