23/07/2013

O CONSTRUTOR



Escolhi a quimera,
de sal gelado construí a estátua:
edifiquei o relógio em plena chuva
e contudo estou vivo.
 
É certo que o meu longo reinado
subdividiu os sonhos
e sem que eu soubesse levantavam
muros, divisórias, incessantemente.
 
Dirigi-me então ao litoral.
 
Vi quando nasceu a embarcação,
toquei-a, lisa como o peixe sagrado:
 
estremeceu como a cítara de Deus,
a madeira  era pura,
cheirava a mel.
E quando as naus não voltavam,
afogavam-se todas nas suas lágrimas
enquanto eu regressava à madeira
com o machado reluzente como uma estrela.
 
A minha religião eram aquelas naus.
 
Não tenho outro remédio senão viver.
 
Pablo Neruda
In Pleno Poderes 
tela  Tom Brown

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