Está frio.
Ponho sobre os ombros o capote que me lembra um xale -
O xale que minha tia me punha aos ombros na infância
Mas os ombros da minha infância sumiram-se muito para dentro dos meus
ombros,
E o meu coração da infância desceu-se muito, para dentro do meu coração.
Sim está frio...
Está frio em tudo que sou, está frio...
Minhas próprias ideias têm frio, como gente velha...
E o frio que eu tenho das minhas ideias terem frio é mais frio do que elas.
Engenho o capote à minha volta...
O Universo da gente...a gente...as pessoas todas!...
A multiplicidade da humanidade misturada,
Sim, aquilo a que chamamos a vida, como se só houvesse astros e estrelas...
Sim, a vida...
Meus ombros descaem tanto que o capote resvala...
Querem consertar melhor? Puxem-me para cima o capote.
Ah, parte a cara à vida!
Liberta-te com estrondo no sossego de ti!
Fernando Pessoa
In Antologia Poética
Organização e apresentação Cleonice Berardinelli
tela Pablo Picasso
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