16/12/2013

CANTIGA PARA NINAR INSONES




Quieta, carência minha:
não pinceles assim, em ouro,
o que no barro é feito. Não
desvendes metáforas complexas
onde o verbo é quase sempre raso
e pouco. Não, não te atices
assim, toda a fim, outra vez,
de elaborar torturas acetinadas
sobre mesquinharias de algodão.
 
Não te bastou, então, toda essa estrada?
 
Quieta, quieta: silencia.
Como as tevês antigas, disciplinada,
procurar ver em preto, em branco,
em calmaria. Não assim, despudorada,
policrômica, out-dooresca. Respira,
respira fundo, conta até dez.
Não telefona. Não fantasia.
 
Sossega. Chega de enganos.
 
Recolhe ardores indiscriminados ,
os arrebatamentos, controla.
Controla-te, por favor, carência minha,
pois urge sublimar a ânsia do sublime.
Tenta, tenta. Ou toma um mogadom,
um valium, trinta miligramas( e três,
se for preciso). E dorme, dorme
bruta, dorme profundamente , dorme
sem sonho algum
enquanto chove dentro e fora a chuva fria.
 
Amanhã tem mais.
 
Maio 1982
 
Caio Fernando de Abreu
In Poesias nunca publicadas
tela Dorina Costras
 

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