25/10/2022

ALSTROMOERIA



 Neste mês de Janeiro a alstromoeria,
a sepultura flor, a submersa,
sai do seu esconderijo e sobe aos desertos.
E  amanheceu rosada a penedia.
Os meus olhos reconhecem
a sua marca triangular sobre a areia.
Então pergunto-me 
vendo
o dente pálido
duma pétala, o regaço
perfeito dos seus íntimos sinais,
como se engendrou debaixo da terra
Como surgiu, onde não havia senão pó,
rochas ou cinza, assim pura, incitante,
adornada, irrompendo na vida com sua formosura?
Como foi feito na vida com a sua formosura?
Como foi feito esse trabalho subterrâneo?
Quando se uniu a forma com o pólen?
Como foi que a escuridão
Chegou ao orvalho
e se elevou com  a terna labareda
da flor repentina
até que se teceram gota a gota,
fio por fio as áridas regiões
e pela luz rosada
passou o ar espargindo a fragrância 
como se ali tivesse nascido
de terra ressequida e solitária
fecundidade florida,

frescura por amor multiplicada?

Assim pensei Janeiro
olhando o árido ontem enquanto agora
tímida e enrugada cresce
a terna multidão da alstromoeria:
e onde pedra e deserto
estiveram 
passa o vento na sua nau sulcando
as ondas olorosas.

Pablo Neruda
de Plenos Poderes


Nenhum comentário: