27/12/2008


Foto de ***Bud***

UM PENSAMENTO-CARDO
A Guilherme Figueiredo

Um pensamento cego, um pensamento
como um cego sem guia, como um vento

que se destrói rugindo nos rochedos,
um pensamento como a dor de dedos

fraturados de encontro ao inexistente
muro do sonho sempre em frente, em frente

dos olhos que o amor ido e consumado
fez candeias que um barco já quebrado

conduz, e ao vento tremem, nas ilhotas
onde mal sentem saibo das derrotas,

um pensamento cego, um pensamento
fruto de luz nas bocas um momento

tão-só, logo em veneno convertido,
ou no fel mais terrível ou temido,

um pensamento como o próprio amor
malferido e deserto e errante por

estradas que nem há, onde meditam
mortos solenes, onde periclitam

entusiasmos devorados pelo
tropel do vento sempre em atropelo,

onde morrem de súbito as lembranças
mais belas e dispersam-se crianças

e dançarinos, lúcidas atrizes
que são felizes e logo infelizes,

um pensamento cego como um dardo,
como um aríete,um pensamento-cardo

que punge e fere e que se malbarata
e apenas deixa um rastro de ouro e prata

sobre o que foi a estrela já perdida,
um sumo acaso, o resto de uma vida.

Alphonsus de Guimaraens Filho
In Discurso no Deserto

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