I
Funda sobre no verde
das águas, distraído,
o amor viaja sempre
oculto, mas contíguo.
Dia e noite, viaja
na hora mais veloz.
É sempre um barco espesso
na inconstância da posse.
Só se prende nas algas,
só navega interior,
lendo os astros no bico
da gaivota ou do corvo.
E quando mais se abisma,
mais cobre a superfície
cegando-se nas facas
de prata da neblina
e deixando os detroços,
a distância, o disfarce
no mar que se reduz
a murmúrio e linguagem.
II
De mim, que te proponho
e sempre te elimino,
parte e fala esse barco
sem remos, como um signo.
Suas velas surpreendem
a dimensão do pássaro
que o mar desenha vivo
na concha da palavra.
Sem rota e mapa-mundi,
sua quilha se enrola
como um búzio estendendo
esta escala de sol.
Sobre teu corpo, sobre
estas flores de nada
que se acomodam dentro
do poema, como a água,
a areia, o vento, a pedra
ou coisa que assinale
as ondas mais secretas
da vida, ao natural.
Gilberto Mendonça Teles
In Poemas Reunidos
tela de Guy Fontdeville
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