15/05/2009

O BARCO

























I


Funda sobre no verde
das águas, distraído,
o amor viaja sempre
oculto, mas contíguo.

Dia e noite, viaja
na hora mais veloz.
É sempre um barco espesso
na inconstância da posse.

Só se prende nas algas,
só navega interior,
lendo os astros no bico
da gaivota ou do corvo.

E quando mais se abisma,
mais cobre a superfície
cegando-se nas facas
de prata da neblina

e deixando os detroços,
a distância, o disfarce
no mar que se reduz
a murmúrio e linguagem.

II

De mim, que te proponho
e sempre te elimino,
parte e fala esse barco
sem remos, como um signo.

Suas velas surpreendem
a dimensão do pássaro
que o mar desenha vivo
na concha da palavra.

Sem rota e mapa-mundi,
sua quilha se enrola
como um búzio estendendo
esta escala de sol.

Sobre teu corpo, sobre
estas flores de nada
que se acomodam dentro
do poema, como a água,

a areia, o vento, a pedra
ou coisa que assinale
as ondas mais secretas
da vida, ao natural.

Gilberto Mendonça Teles
In Poemas Reunidos
tela de Guy Fontdeville

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