12/06/2010

ENVELHECIDO VINHO


Nostalgia by Rosemary Lowndes

Agora que já estamos tão distantes
de tudo que antes nos distraía,
escrevo esta carta cheia de vírgulas
com a tinta herdada da lua fria.

Lembras que, como em todo começo
o sol da manhã em nossa pele ardia
enquanto os corpos vibravam, secos,
num atrito que fim nunca tinha?

Era no jardim, em matinal luzir,
que, na combustão do bruto embate,
enfrentávamos as sombras a sorrir,
como o sol, sem temer o desenlace.

Depois, o calor já tinha algo de cansaço.
Eram findas as manhãs e sua leveza,
Corpos pesados,ânimos lassos,
cerrávamos no quarto cortinas espessas.

E na semi-escuridão do dia adiado
duas máquinas se mordiam e se amavam,
produzindo suores, num pré-infarto
e num ranger de juntas metálicas.

Agora, na noite de estrelas extintas,
lareira apagada, candeeiro sem azeite,
fiapo de lua minguante e fria,
nos abraçamos atrás do calor ausente.

Então toco tua pele flácida e transida
e acaricio cabelos brancos em desalinho.
Tudo foi apenas preparação e correria.
Bebamos com calma o envelhecido vinho.

Miguel Sanches Neto
In Venho de Um Pais Obscuro

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