26/07/2010

DEIXA QUE EU TE AME




Ah! Deixa que eu te ame! Faze
De tua profissão de sonho a fé desesperada...
Ilumina a incursão de meus dedos calmos
Através teu corpo infinito ...Deixa que eu te ame!

Nunca esse amar assim foi meu desejo. Entanto,
O céu corre para o céu e as sombras convergem
Num ponto exasperado onde ardem candelabros...
Deixa-me ficar, como esquecido do próprio nome,
Cego, a recompor os jogos que a infância indestinou...
O verde chama o verde. A esperança de ti salta
Como a correria de crianças num pátio de colégio...
Atrás dos vidros, porém, está o tédio espreitando,

E - ai de mim! - nem mesmo a poeira cobre o meu rosto,
Pobre e lívido, entre relâmpagos que paralisam o tempo.
Desesperado aguardo - deixa, deixa que eu te ame!
Enche teu corpo do azul que escorre das árvores devassadas,

Planta teu grito, bem longe, onde os limites se curvam!
Dize uma palavra e fica ao léu das invernadas que flutuam,
Vendo o tempo esgotar sua provisão de cores
E leve se deitar, para aguardar seu sono...

Por que o chão encharcado? E a chuva principiando
Nas cinzas dos brasões, como uma flor que murcha?
Esquece em meu peito a mão escuta como bate
O coração pressuroso de espadas e cimitarras em repouso...

Não crês? Não vês? Ouve meus olhos perfurados de vigília,
Esboça teu movimento, cumpliciado ao afã dos salões antigos
E enxerga nos móveis a efígie de meu rosto soluçando,
Entre vitrais que se partem ao aceno de um porto...

Olhas as grandes cidades...As chaminés se alevantam,
Ao mesmo tempo que milhões de adeuses desabrocham
[como fontes...
Parto em busca de mim. Nos navios de prata
Vejo ainda o teu perfil - Ah, deixa que eu te ame!

Meu mistério está além. E além o vento sopra
Arcado de presságio. As pedras se ajoelham,
E os lábios se partem de encontro às muradas
Largas e calma à espera de ti - por entre palmas!

Deixa que eu te ame! Nada podes deter,
Senão que teu braço comanda partidas de barcos ao mar
[alto...
Larga teu corpo ao meu ...junta teus seios
Ao meu engano...Deixa que eu te ame, assim, em silêncio,

Vendo a luz que se apaga e não se acende mais,
Vendo a calma voltar como  a ave que esmorece,
Vendo o passo na relva, coberto da silente
Paz, entre as aléias, a marginar o sonho...

Hélio Pellegrino
In Minérios Domados
arte Andrius  Kovelinas 

  

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