30/11/2010

ALQUIMIA



É tarde
nessa hora todos os trabalhadores braçais
os operários e as domésticas
já devem estar dormindo
esquecidos da marmita que engolirão amanhã
esquecendo os tijolos
parafusos e aventais
que terão de enfrentar.
Eles sonham.
E é exatamente nesta hora mágica
em que deuses planejam
em que os duendes
cautelosamente saem de seus esconderijos
em que as bruxas vestem
capas de seda e se transformam
em princesas
em que todos os magos misturam suas poções
tentando a alquimia da vida
que eu quero
te convidar para um passeio.
Vamos colher miosótis
sem medo - a esta hora
até os guardas noturnos mais zelosos
entregam-se à magia dos sonhos.
Eu te levarei até um lago
que se esconde no fim da rodovia
 com muito medo da expansão imobiliária.
Lá eu te mostrarei
a dança dos cavalos-marinhos
iluminada por um bando de vagalumes
mas teremos que ficar em silêncio
não sei se tu sabes
que eles fizeram um pacto
para se protegerem dos homens.
Quando a madrugada começar
a recolher os lixeiros
e as margaridas
- que não são flores -
nós poderemos andar de mãos dadas
embaixo de todos os viadutos da cidade
recolher os cães
famintos e alimentá-los.
Antes que amanheça
e que o encanto da noite
comece a ser perturbado
por ruídos mecânicos e rostos sonolentos
eu pedirei às aranhas
que teçam um rede de fios luminosos
e às formigas
aproveitando a sua extraordinária força
que te levem de volta.
Na manhã seguinte
tu acordarás e verás
que uma borboleta amarela
de olhos abertos
adormeceu no teu quarto.

Miriam Portela
In O Continente Possuído

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