26/12/2010

COM QUEVEDO NA PRIMAVERA

















TUDO floresceu
nos campos, macieiras,
azuis titubeantes,capoeiras amarelas,
no meio da erva verde vivem as papoulas,
o céu inextinguível, e o ar novo
de cada dia, num tácito fulgor,
presente de uma extensa primavera.
Só não há primavera em meu recinto.
Enfermidades, beijos descompostos,
como heras de igrejas que pegaram
nas janelas negras da minha vida,
só o amor não basta, nem o selvagem
e extenso perfume da primavera.

E para ti que são bem neste agora
a desenfreada luz, o desenvolver
floral de uma evidência, o canto verde
destas verdes folhas, mais a presença
do firmamento com sua copa fresca?
Primavera exterior, não me atormentes,
desatando em meus braços vinho e neve,
corola e ramo roto de pesares,
dá-me por hoje o sonho dessas folhas
noturnas, a noite onde vão se encontrar
os mortos, os metais, tantas raízes,
e tantas primaveras extinguidas
que despertam em cada primavera.

Pablo Neruda
In Jardim de Inverno
foto de Eduardo Amorim

 

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