18/01/2011

CANTIGA DO AI





Ai, eu padeço de penas de amor,
Meu peito está cheio de luz e de dor!
 
Ai, uma ingrata tão fria me olhou,
Que vou-me daqui sem saber pra onde vou!

Eu cheirei um dia um aroma de flor
E vai, fiquei doendo de penas de amor!

Foi minha ingrata que por mim passou!
Ai, gentes! eu parto! não sei pra onde vou!

Ai, malvada ingrata que escolhi bem!
Eu sofro e não posso queixar de ninguém!

Sofro mas me orgulho de meu sofrer,
É linda a malvada que fui escolher!

Tem a mansidão dos portos de mar
Mas porém é arisca que nem pomba-do-ar!

Ela é quieta e clara, ela é rosicler,
É a boca-da-noite virada mulher!

Ai, unhas de vidro para me encantar!
Ai, olhos riscados pra não me enxergar!

Ai, peito liso, boca de carmim!
Ingrata malvada que não pensa em mim!

Ai, pena tamanha que me quebrou!
Adeus! vou-me embora! não sei pra onde vou!

Lastimem o poeta que vai partir,
Moçada se amando no imenso Brasil...


Mário de Andrade
In Poesias Completas
Tela de Tamara de Lempicka

Um comentário:

Fernando Campanella disse...

Uma releitura, e muito bonita, me parece, das cantigas de amor medievais. Linda foto também, Dione. Um abraço.