18/01/2011

INFÂNCIA E VELHICE
























O lírio é menos cândido, a neve é menos pura
Que uma criança loira no berço adormecida;
Seus lábios entreabertos parece que respiram
Os lânguidos aromas e as auras de outra vida.

O anjo tutelar que o sono lhe protege
Não vê um ponto negro naquela alma divina;
Nunca sacode as asas para voltar ao céu,
E nem afasta ao vê-la a face peregrina

No seio da criança não há serpes ocultas,
Nem pérfido veneno, nem ferventes lumes;
Tudo é candura, ó Deus! su'alma inda inocente
É como um vaso de oiro repleto de perfumes.

Cedo ela cresce e os vícios os passos lhe acompanham,
Seu anjo tutelar pranteia ou volta ao céu;
O cálice doirado transborda de absíntio,
E a vida corre envolta num lutulento véu.

Depois ela envelhece, as ilusões se esvaem,
A calma vem, e a chama de seu viver se escoa;
A fronte pende em terra coberta de geadas,
E a mão rugosa e trêmula levanta-se e abençoa.

O infante e o ancião são dois sagrados seres;
Um deixa há pouco o céu, o outro ao céu se volta;
Um cerra as asas débeis e a divindade adora,
O outro adora a Deus e as asas níveas solta.

Do loiro querubim na face rósea e bela
Ainda existe o traço do beijo dos anjinhos;
Na fronte alta e severa do ancião, cintila
A chama que do Empíreo aponta-lhe os caminhos.

Nos tempos de desgraça, quando o existir é trevas,
E a dúvida se eleva do fúnebre ataúde
Nos olhos da criança creiamos na inocência,
E nos cabelos brancos saudemos a virtude!

Fagundes Varela
In Poesias Completas
tela de James Hayllar

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