05/11/2011

FUGA


Escuto o tempo fluindo
no rumor azul da tarde.
E sinto-me ventar em mim
e doer bem onde arde
meu coração - doer com
incontáveis estilhaços
de idos objetos e
de mim mesmo. E escuto passos
me acompanhando : são meus 
próprios passos  - de ontem e antes
e hoje.Talvez amanhã.
Em seus lenços ondulantes,
o vento que sopra o tempo 
oculta fundos mistérios
e do que era sorriso
compõe esses rostos sérios
que nos encaram do espelho
e de outros corpos, e vemos,
sob eles, os suaves traços
de quem em nós já perdemos.

Escuto o tempo fluindo ,
fugindo.Sobe um soluço
da carne de tudo: móveis,
tecidos,metais.Que forte 
é a morte! E só a memória
vive, vive-nos, e soa
seus violinos de névoa
sob um frio sol que monta
num céu de assombro: o Perdido.

Essa lenda que se amplia
no peito - já erodido
pelas distâncias - que vai
explodir em cada gota,
seixo, brilho,sombra,hálito
de alma
(essa asa rota
 sangrando os seus enganos
entre as paredes do verso)

até nada se mover
sobre o extinto universo.

Ruy Espinheira Filho
In As Sombras Luminosas
foto   Antonio Marin Segóvia     

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