06/12/2011

ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE



Teu riso é límpido.
Teu corpo é claro e suave.
Caminhamos alegremente, formosos
na manhã azul.

Tu me contas coisas simples,pequenos
acontecimentos das últimas horas. Vamos
de mãos dadas, corações pacificados
e infantes, abertos aos gorjeios
do parque.

O mago Merlin nos oferece duas rosas vermelhas,
sorrindo
com jeito de Papai Noel, e pergunta se vimos
o Santo Graal.
- Está ali naquela árvore - tu respondes. -
Escondido numa casa
de joão-de-barro.
Merlin agradece e prende um cravo
em teus cabelos.

Logo adiante há uma festa,
subimos na roda-gigante e nos sentamos ao lado
do rei de Tule,
que atira a taça, a coroa, o centro e o manto de púrpura
para a multidão.
Há aplausos e grandes risadas.
Certas leis são fartamente distribuídas para serem
insultadas,
rasgadas,
incineradas
publicamente.
E o povo dança sobre as cinzas dessas leis
enfim justiçadas.

Instantes depois estamos na praia.
Alguém nos acena de um veleiro que passa -
talvez Simbad, talvez Robinson Crusoé -
e respondemos com amplos gestos de saudação.

Não sei como aprendeste a conversar com as ondinas.
Vejo-te falar com elas como se fossem velhas amigas,
numa linguagem doce e intraduzível como o marulho
das ondas.
E recebes notícias de ilhas distantes,
uma pulseira de coral dos abismos
oceânicos, o gancho que substituiu
a mão decepada de um bucaneiro
das Antilhas.

E andamos pelos campos,
e nos acariciamos,
e nos amamos longamente
sobre a relva.
Assim flui a tarde, e surge
uma lua imensa, muito clara, refletindo-se
em teus olhos. E há pirilampos
em teus cabelos.

Como a manhã e a tarde,
também se desfaz a noite.
E somos filhos do orvalho, primeiros habitantes
do dia.
Nunca estiveste tão bonita, assim
amanhecente,
caminhando junto a mim pela estrada
de areia branca.
Em breve o sol dominará o céu,
reabrirá as praias,
despertará a cidade dos homens
repousados.

Mas tu não precisas, nem eu, de repouso.
Estamos lúcidos, seguiremos lúcidos.
Sinto vontade de dizer-te palavras novas,
feitas especialmente para transmitir o ritmo
do meu coração.
Mas fico em silêncio, envolto
em tua presença,
luminoso de alegria.
Já não conheço meu nome, nem a minha idade, nem
a minha terra.
Basta-me este momento
e esta estrada,
o cheiro de mato,
a manhã nascente,
a melodia que se desprende
no teu andar.

Há gotas de sereno em tua  testa,
nas tuas pálpebras, nos teus lábios.

Ao passarinho que perguntas  de onde vens,
respondes
como aquela ninã de García  Lorca:
- Vengo de los amores y de las fuentes.

E coninuamos, continuamos

Ruy Espinheira Filho
In Sob o Céu de Samarcanda
tela Arkadiusz Warminski

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