30/12/2011

PLENOS PODERES



A sol descoberto escrevo, em plena rua,
em pleno mar, aonde posso canto,
somente a  noite errante me detém
mas nessa interrupção ganho espaço,
recolho sombra para muito tempo.

O trigo negro da noite cresce
enquanto os meus olhos medem a planície
e assim de sol a sol forjo as chaves:
procuro na escuridão as fechaduras
e vou abrindo ao mar as portas rachadas
até encher armários com espuma.

E não me canso de ir e vir,
com a sua pedra a morte não me retém,
não me canso de ser e de não ser.

Às vezes pergunto-me de onde
se de pai se de mãe se de cordilheira
herdei os deveres minerais.

os fios dum oceano aceso
e sem parar sei que continuo, que prossigo
e canto,no canto prosseguindo sem parar.

Não tem explicação o que acontece
quando fecho os olhos e circulo
como por entre dois canais submarinos,
na sua ramagem leva-me um para a morte
e canta o outro para que eu cante também.

Assim do nada sou composto
e como o mar assalta o arrecife
com balões salgados de brancura
e desenha a pedra com as ondas,
assim o que na morte me rodeia
abre em mim a janela da vida
e em plena exaltação estou dormindo.
Em plena luz caminho pela sombra.


Pablo Neruda
In Pleno Poderes
foto por karlneumannster

  

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