01/01/2012

TROMPE I'OEIL


Há dias em que só uma  árvore
esconde a floresta, uma gota
esconde todo o mar. Dias míopes
agarrados ao meu corpo.E se te dissesse
que não é meu este corpo, nem a voz
que ouves ao telefone.Ainda assim estou
sempre a partir para mais perto, tão perto
que um grão de areia é apenas um e sei
que deve existir uma praia para lá
do olhar.Avanço e recuo mas os meus passos
parecem de alguém que por ali passou.
E há sempre uma árvore, um ramo,
uma folha opaca maior do que os olhos
com que te vejo se pudesse ver-te.

Dias em que a floresta esconde suas árvores
e a tua mão torna invisível cada um dos dedos:
o indicador do infinito,o impreciso lugar
onde me alojo entre o polegar e o médio,
o segundo em que começo a respirar.
Nunca estou no minuto de uma hora,
num poro do meu corpo, no todo que acaricia
as suas partes como o vento acaricia o ar.

Há dias em que entras nos meus dias.
E soletro cada gota quando me desfaço
em espuma e não distingo o branco
do branco do lençol.é uma ignorância
que me salva e sinto tudo o que vejo
como se o visse dos meus ou dos teus olhos.
Ou de alguém que não passou por mim
e talvez nem passe. Por isso não pergunto
onde estou ou onde estão as coisas.
As gaivotas caminham apressadas.
Os cadeeiros acendem a noite.
Fechamos os olhos para nos perdermos.

Rosa Alice Branco
In Soletrar o dia 

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