08/01/2012

A NOITE



Entro no ar negro.
A noite viaja, tem
paciência em sua folhagem,
move-se
com seu espaço,
redonda,
perfurada,
com que plumas se envolve?
Ou vai nua?
Caiu sobre metálicas
montanhas
cobrindo-as com sal
de estrelas duras:
um por um
quanto monte
existe
se extinguiu e desceu sob suas asas:
sob o trabalho negro de suas mãos.
Ao mesmo tempo
fomos
barro negro,
bonecos
derrubados
que dormiam
sem ser, deixando fora o traje diurno,
as lanças de ouro, o chapéu de espigas,
a vida com suas ruas e seus números
ali ficou,
montão de pobre orgulho,
colmeia sem som.
Ai noite e noite aberta
boca, barca,garrafa,
não só tempo e sombra,
não só a fadiga,
algo irrompe, se cumula
como uma taça,
leite escuro,
sal negro,
e cai
dentro
de seu poço
o destino,
queima se quanto existe, a fumaça
viaja buscando espaço até estender a noite,
mas
da cinza
amanhã
nasceremos.

Pablo Neruda
In Memorial de Ilha Negra
                 tela Arthur Rackham                   

Nenhum comentário: