06/02/2012

BALADA DO TEMPO-BOI




Por que será que nunca foi
o que, se fosse, me agradaria?
Por que será que morde e mói,
como um castigo, a boca avara
deste faminto e abstrato boi,
que come todas as lembranças
e, quanto mais isto me dói,
também remói as esperanças?

Que boi é este, que não foi,
que espécie é esta, assim tão rara,
que, ao ruminar, mói e remói,
lambendo sempre a própria cara,
qualquer lembrança do que foi,
artes da vida, ardis e andanças,
coisas que engole o superboi,
senhor do tempo e das mudanças?

Que boi é esse forte boi,
bicho de fera e cruel cara,
que fere fundo onde mais dói,
lá onde a dor salta e dispara,
e nem ao menos se condói
com o estrago feito às esperanças
do homem comum, do anti-herói,
com a força má de suas lanças?

Por que será que nunca foi
o que, se fosse, me agradara?
É obra má de um tempo-boi
ou é da vida a marca e a tara?

Reynaldo Valinho Alvarez
In Galope do Tempo
tela Franz Marc

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