Perdoe-me
por chegar assim, tão de repente
e encontrar-te assim, tão desprevenida
Perdoe-me
por não te dar tempo de me conheceres inteiro,
mas apenas o tempo inteiro tentar ser tudo aquilo
que – sei – tu gostarias que eu fosse
Perdoe-me
por tão subitamente adentrar teu corpo,
tenda, templo do espírito,
sem antes deter-me em cada detalhe
Bater à porta com suavidade
Encantar-me com os vasos na janela
Sentir todos os cheiros
e, devagar,
ir penetrando com um sorriso
Perdoe-me
por,
já dentro de ti, ter esquecido do essencial
Não ter percebido o quadro pendurado na parede
Não ter regulado o oxigênio dos peixes dourados no
aquário
Não ter falado do retrato amarelado na mesa de
cabeceira
Não ter me emocionado com o velho gramofone no
canto da sala
e não ouvir as belas e tristes canções por ti
sussurradas
Perdoe-me
por,
ainda dentro de tua casa – tão próximo de tua
alma –
não ter percorrido com brandura todos os cômodos,
mas apenas comodamente ter seguido meu próprio
caminho
Perdoe-me
por,
assim sozinho, tão impróprio ter sido,
quando melhor teria sido deixar que naturalmente
fôssemos
Perdoe-me
por assim partir, deixando apenas inconsistência
em múltiplas formas de sonhos e esperanças
Perdoe-me, perdoe-me.
Raimundo Gadelha
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