09/03/2012

ATO DE CONTRIÇÃO

  
Perdoe-me
por chegar assim, tão de repente
e encontrar-te assim, tão desprevenida

Perdoe-me
por não te dar tempo de me conheceres inteiro,
mas apenas o tempo inteiro tentar ser tudo aquilo
que – sei – tu gostarias que eu fosse

Perdoe-me por tão subitamente adentrar teu corpo,
tenda, templo do espírito,
sem antes deter-me em cada detalhe
Bater à porta com suavidade
Encantar-me com os vasos na janela
Sentir todos os cheiros
e, devagar,
 ir penetrando com um sorriso

Perdoe-me por,
 já dentro de ti, ter esquecido do essencial
Não ter percebido o quadro pendurado na parede
Não ter regulado o oxigênio dos peixes dourados no
  aquário
Não ter falado do retrato amarelado na mesa de
 cabeceira
Não ter me emocionado com o velho gramofone no
  canto da sala
e não ouvir as belas e tristes canções por ti
 sussurradas

Perdoe-me por,
 ainda dentro de tua casa – tão próximo de tua
 alma –
não ter percorrido com brandura todos os cômodos,
mas apenas comodamente ter seguido meu próprio
 caminho

Perdoe-me por,
 assim sozinho, tão impróprio ter sido,
quando melhor teria sido deixar que naturalmente
fôssemos

Perdoe-me por assim partir, deixando apenas inconsistência
em múltiplas formas de sonhos e esperanças

Perdoe-me, perdoe-me.

Raimundo Gadelha

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