"Mas ao que quis bem um dia,
se ao querer tem afeição,
a mágoa sempre lhe fica
dentro do seu coração."
I
Além, nas tardes serenas,
além, nas tardes caladas,
mais duras fazem-se as penas
que nas brandas alvoradas.
Além, nas tardes sombrias,
além, nas tardes escuras,
ficam mais breves os risos,
mais negras as deventuras.
Que não há tarde transquila
para quem remorsos guarda,
e mais cedo se aniquila
quanto mais a noite aguarda.
II
Eu bem sei destes segredos
que se escondem nas entranhas,
que se movem sempre inquietos
sob mil formas estranhas.
Eu bem sei destes tormentos
que consomem e devoram,
que fazem gemer os ventos
e que mordem quanto choram.
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Se agora sorrindo canto,
se agora canto com brio,
tanto chorei, chorei tanto
como a corrente de um rio.
Tive em já passados dias
fundas penas e pesares,
chorei lágrimas tão frias
como as águas destes mares.
Tive tão fundos amores
e tão fundas amarguras,
que era uma fonte de dores
nascida entre penhas duras.
III
Agora rio, e contente
vou pelas eiras cantando,
vendo de onde vem o vento
quando o gado vou levando.
Agora, em grande sossego
durmo na beira das fontes,
durmo na beira dos regos,
durmo no cimo dos montes.
"Mas ao que quis bem um dia,
se ao querer tem afeição,
a mágoa sempre lhe fica
dentro do seu coração."
Rosália de Castro
In Poesia
tela Bouguereau, "At The Well"
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