21/03/2012

SE AGORA ME PROCURASSES



Não é nada, eu te diria,
se agora me procurasses.
É só um menino antigo
que num dourado crespúsculo
vai voltando para casa.
É só um rio de águas escuras,
pesadas, cortando o vale.
É só essa grama verde,
ainda úmida de orvalho,
que ela pisa indiferente
e se vai, os pés descalços.
É só a lua velando
a praça da noite alta,
e aquele amigo cantando,
e esse outro embriagado,
e o violão com seu lamento
sob janelas fechadas.
É só esse corpo triste
da mulher da madrugada,
de que me afasto levando
o desencanto comprado.
É só a menina branca
que, num sono inviolável,
lá se vai para a colina
em seu  caixão pequenino
sob a garoa da tarde.
É só a moça que dói,
espezinha, humilha, mata,
lança-me as cinzas ao vento.


Ruy Espinheira Filho
In A Canção de Beatriz e Outros Poemas
tela  Frederick Childe Hassam 

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