06/08/2013

UM BARCO NAS NUVENS



Vogavam os veleiros no mar de agosto
e os postais traziam notícias da serenidade,
do corpo distanciando-se da crise, do espírito
aquietando-se nos patamares do sossego das noites
e a brisa era um sopro, vago sopro
com aromas de parte nenhuma,
com saudades de toda a parte.
 
Nas gavetas da casa os bilhetes de comboio
das viagens esquecidas, uma fotografia de Veneza,
outra com um homem magro vestido à civil
a defender a República na Rotunda , outra
de um passeio de bicicleta para as bandas do Guincho
no tempo da guerra. O outono virá
com vagar de visita velha, num anseio de paz
amarelecido nas folhas dos plátanos,
impaciente, numa cadência de sinfonia incompleta,
acabrunhado à mingua de sol, moléstia na seiva
dos troncos arqueados e uma melancolia
que já levou poetas o suicídio.
 
Assim será: aquele que chega,
camisa de ramagens aberta no peito
e um filho adormecido nos braços,
falará da inquietação até ser dia.
Um barco ancorado nas nuvens continua
a revelar que o sonho é matéria redentora.
 
José Jorge Letria
In Percurso do Método
tela Amanda Cass

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