29/11/2009


Foto de mindfulness

O RELÓGIO CAÍDO DO MAR

Há tanta luz sombria no espaço
e tantas dimensões de súbito amarelas,
porque não cai o vento
nem respiram as folhas.

É um domingo detido no mar,
um dia como um navio submerso,
uma gota de tempo que assaltam as escamas
ferozmente vestidas de umidade transparente.

Há meses seriamente acumulados numa vestimenta
que queremos cheirar chorando de olhos fechados,
e há anos em um só cego signo da água
depositada e verde,
há a idade que nem os dedos nem a luz apressaram,
muito mais estimável que um leque roto,
muito mais silenciosa que um peixe desenterrado,
há a nupcial idade dos dias dissolvidos
num triste túmulo que os peixes percorrem.

As pétalas do tempo caem imensamente
como vagos guarda-chuvas parecidos com o céu,
crescendo em torno, é apenas
um sino nunca visto,
uma rosa inundada, uma medusa, um longo
latejo quebrantado:

mas não é isso, é algo que toca e gasta apenas,
uma confusa pegada sem som e sem pássaros,
um desenvolvimento de perfume e raças.

O relógio que no campo se estendeu sobre o musgo
e golpeou uma anca com sua elétrica forma
corre desatado e ferido debaixo da água temível
que ondula palpitando de correntes centrais.

Pablo Neruda
In Residência na Terra II

Um comentário:

Fernando Campanella disse...

Boa tarde, minha querida amiga. Passando por aqui para desfrutar destas belezas postadas em imagens escritas e fotografadas. Belo poema do Neruda, assim como os de tantos poetas e cronistas que tua alma sensível descobre. Muito obrigado por responderes ao desafio, adorei tuas respostas, e sou sincero, adorei mesmo, principalmente quando vc diz que passa poesia aos alunos com a esperança de que sejam adultos mais humanos. Beleza. Bjos, obrigado pela linda amizade, pelo carinho de sempre. Ótimo domingo pra vc.