12/12/2010

EM TIMBÓ OS HELIANTOS AINDA FLORESCEM NO CHÃO DO POETA BELL



















-1-

Abriram o coração do poeta.
Singraram sua quietude.

Nos vasos postos e apostos
flores da morte abrolharam
sem cor.
O coração do poeta parou.
A voz rouca da solidão das palavras
sangrou a aorta no mais profundo
dos lírios.
E o Vale anoiteceu triste
- sobrio de dor-
ai que dor ! O Rio Benedito curvo e longo
desceu as montanhas, mergulhou no Vale
misturando suas lágrimas
ao choro doído do Rio Itajaí-Açu .

Abriram o peito do poeta
- o poeta morreu .
As corredeiras dos rios mudaram
naquele dezembro , naquele dia dez
quando a lua dormia em sua letargia
minguante

Hoje
um sino badala dolente,
rachado.
Cingiu-se naquela tarde
uma nota dissonante na sinfonia
das águas
quando aquela primavera fechava
seus halos
- As cigarras daquele verão serão eternas
nos morros verdes do Vale ,
e a poesia florescida do poeta
formará ainda e sempre
a sintaxe dos jardins possíves .

-2-

Ai que dor te saber morto !
ai que tudo
ai que nada
em minhas mãos vazias
de teu silêncio,
teus sábios delírios arrebatados
no peito
- um cavalo alado,
cítara ardente e harmoniosa
nas colinas ,
tuas vestes a velar o coro
dos anjos
que um dia te amaram
e te amarão nas floradas
de ano inteiro,
tempo infinito .

Ai que dor te saber mudo !

Claros fios de prata em tua fronte
- tanto que abreviaste a vida,
ali breve
mas não tão breve
q'a tua eternidade é profundo
coração
onde verte o pranto e pura fonte
inaudita.

-3-

Nogueiras plantadas por teu pai
no sítio do sol,
magnólias no canto do jardim
- Amália , sob os desígnios das almas
abriu a terra dando viço ao girassol
tornado poesia:
então conheci
"a geração das crianças traídas"
e Bell no amanhecer "Das Vivências Elementares"

" As Annamárias " em teu veio inesgotável
foi lâmina cortante
nas vértebras de meus silêncios
desfeitos.
Teus cabelos estrelados
incendiaram palavras retumbadas
no Viaduto do Chá,
tua Catequese Poética foi o pêndulo
e grifos de luz
no coração do Brasil.
Teus sons, poeta, cunharam
diamantes abrasivos de solidária
ternura,
num tempo de Vietnam
e céu de chumbo nas praças
de nossa Pátria.
Com tuas asas de pássaro
gigante aprendi,
em tua espada de vaidades
me espelhei.

Hoje antúrios reflorem
na grama prenhe de poesia
sempre,
urdidas ramas fincadas
nas possibilidades da terra
como algas mansas
qual peixe fundido na argamassa
de teu testamento
de luz infinita.

Bebi sim, o vinho
de tuas ceias partilhadas.
Tuas cismas e escamas
prateadas
habitam destinos tantos.

E nos quintais de Timbó
sob o cheiro e a magia do eclético
Grande Vale
entre rumos e rimas
praças e avenidas
- atalhos ressonantes da smemória -

os heliantos ainda florescem.

Eulália M. Radtke
Publicado no Jornal de Santa Catarina em 10/12/1999
foto de Valter Jacinto no Flickr

 

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