14/12/2012

MURMURAM COISAS



Murmuram as coisas, em sua língua gelada e universal.
Nas móveis moitas de Shakespeare, nas caatingas,
ressoam augúrios e resmungos e crepitam apagados, engasgados,
sussurrosssssss...

Nos necrotérios, maternidades e laboratórios anunciam vida e morte.
Diante do recém-nascido e do ancião, do nordestino esfaqueado,
Predizem coisas, cheias de verbos precários e incertezas sufocadas,
coisas que um destino de matéria moverá.

Murmúrios.Murmuram a vida e o nada implacáveis.
Murmuram mares, arroios e o sangue nas aortas e paixões.
Nos bonecos, nas igrejas, entre as mocinhas, nas mansões,
nos quartéis e nos manicômios, cortiços,
caladas coisas que são vida em jogo de azar e de vontades,
aventuras teológicas, científicas,estratégias, sempre,
cuja lógica depende intimamente do acaso
nosso e de Mallarmé.

Murmuram o amante e o assassino, o sacerdote e o impostor,
o caçador e a vítima - solilóquios, em carne ao deus ausente,
na solidão do punhal ou da unânime substância.
Arrastam-se correntes, rangem dentes, murmuram
o sábio e o idiota e as  estrelas tudo encobrem - murmurando.

Apesar dos humanos testemunhos, das mil e uma noites discretas,
as próprias coisas murmuram, como o mar , murmuram
em seu marulho de nada, coisas que alguém no Oriente entendeu,
mas em segredo guardou no cofre transparente do seu ser.

Vicente Cechelero
In Só Matéria do Mundo
tela Volodia Popov

Nenhum comentário: