14/10/2013

OUTRO CASTELO


NÃO SOU, não sou o ígneo,
sou feito de roupa, reumatismo,
papéis rasgados, encontros esquecidos,
pobres signos rupestres
no que foram pedras orgulhosas.
 
No que ficou o castelo da chuva,
a adolescência com seus tristes sonhos
e aquele propósito entreaberto
de ave estendida, de águia no céu,
de fogo heráldico?
 
Não sou, não sou o raio
de fogo azul, cravado como lança
em qualquer coração sem amargura.
 
A vida não  é a ponta de um punhal,
não é um golpe de estrela,
mas um gastar-se dentro de um vestuário,
um sapato mil vezes  repetido,
uma medalha que se oxidando 
dentro de uma caixa escura, escura.
 
Não peço nova rosa nem dores,
nem indiferença é o que me consome,
mas cada signo que se escreveu,
o sal e o vento borram a escrita
e a alma agora é um tambor calado
à margem de um  rio, daquele rio
que estava ali e ali continuará  sendo.
 
Pablo Neruda
In Defeitos Escolhidos & 2000
tela Edvard Munch 

Nenhum comentário: